ColaborAutoras
Como fazia todos os dias, seu João se levantou quando o sol ainda se espreguiçava devagar. Antes até de sua galinha começar a cacarejar. Deixava dona Matilda dormindo e ia até o banheiro fazer sua higiene pessoal.
Tomou seu café forte e comeu seus ovos mexidos. Sua rotina era tão previsível que ligava dentro de si um piloto automático operando uma sequência ininterrupta de pequenas ações. Tudo igual, todos os dias. Seguia para sua mercearia pontualmente às 5:30 da matina e rapidamente tudo estava funcionando. Os trabalhadores da fábrica de tecidos, que ficava no final da rua, logo chegavam para tomar seu habitual café da manhã.
Seu João era conhecido pelo seu mau humor constante. Todos os dias, ele dormia e acordava brigado com o mundo. Sua esposa já havia se acostumado e seus clientes rotineiros também. Então quando chegavam, eram sucintos em seus pedidos e mantinham total silêncio enquanto comiam. Seu João não gostava de conversarias em seu estabelecimento. Quando algum desavisado começava a falar animadamente logo recebia uma série de impropérios, que não se pode reproduzir sem ofender a quem ouve.
Lá pelas 9:00 dona Chica, a fofoqueira do bairro resolveu fazer suas compras. Ela tinha o prazer de chatear seu João e fazia questão de tentar inteirá-lo dos últimos acontecimentos do bairro.
-Bom dia seu João!
-Bom dia. – Murmurou entre dentes – Diga logo o que quer, velha mexeriqueira.
-Ora, ora seu João. – Falou dona Chica mostrando-se ofendida – Será que nem com um sol bonito como este o senhor acorda de bom humor?
-Não me importa o sol. – Resmungou – Diga logo o que quer.
Dona Chica lhe entregou a lista e pôs-se a andar pela venda vagarosamente.
-Parece que temos novos vizinhos.
Seu João continuou calado pegando os produtos e colocando sobre o balcão. Mas dona Chica não se fez de rogada e começou a narrar os acontecimentos.
-Uma família pequena. Pai, mãe e filho. Parecem não ter muito dinheiro. A mãe é vista sempre com as mesmas saias e blusas puídas, brancas ou azuis. O pai sai sempre cedo e volta no início da noite. Já o garoto anda descalço por aí. – Mostrando sua reprovação com expressões dignas de uma atriz – Mudaram-se faz dois dias para aquele casebre perto da antiga padaria. Creio que o senhor se lembre da última inquilina daquele lugar.
Fazendo sinal da cruz em repúdio, se aproximou do balcão falando baixo.
-Dizem que ela se mudou porque estava grávida de um homem casado! Deus é mais! Agora veja só, seu João, nosso bairro tão pacato, tendo de abrigar uma messalina!
-Pronto, dona Chica. Aqui estão suas compras. – Falou seu João como se não tivesse ouvido nada.
-E essa família nova? Eles são... – Pigarreou – Digamos que são um pouco diferentes do habitual. Além de pobres, ele é branco e ela, bem, o senhor sabe.
-Não sei de nada sua bisbilhoteira, carola dos infernos!
Esbravejou seu João. Dona Chica o olhou assustada.
-Agora pague e vá embora daqui! Não tenho tempo para perder com seus mexericos!
Dona Chica colocou o dinheiro sobre o balcão e saiu batendo os pés, praguejando que nunca voltaria naquele lugar novamente. Aquela cena sempre se repetia e ela sempre retornava. Seu João tinha a vantagem de ser a única mercearia da região, com produtos de todos os tipos e com um preço acessível. Todos aguentavam seu mau humor e péssimos modos. A maioria até achava graça dos seus murmúrios.
Perto da hora do almoço, seu João olhou por cima dos óculos gastos e viu um menino magrinho, cabelos cacheados e olhos sorridentes entrar serelepe e ir até o balcão.
-Bom dia! – Disse o garoto olhando tudo ao redor. – O senhor vende ovos?
-Sim garoto. Vendo tudo aqui. – Disse impaciente.
-Quanto custa?
-0,20 cada ovo.
O menino olhou para as moedas que segurava e engoliu seco. Fitando seu João com a voz baixa perguntou.
-E o leite?
-Dois contos o litro.
Remexendo nos bolsos como se procurasse mais moedas, que sabia não ter, pareceu confuso por alguns segundos. Seu João começou a ficar impaciente.
-Ande garoto! Diga logo o que vai querer, ou então dê o fora daqui!
Parecendo não se abalar com as palavras duras do velho, o menino lançou-lhe um sorriso gentil e ofereceu as moedas.
-Eu quero três ovos e o que der de leite com o resto.
Estava decidido e feliz com sua pequena escolha. Seu João pegou as moedas e notou que o pouco dinheiro só pagava os ovos e talvez meio copo de leite. Pensou em falar, mas o menino parecia tão feliz em “resolver” o problema, que preferiu se calar. Colocou os ovos envolvidos num jornal e trouxe um litro de leite. Os olhos do garoto brilharam ao pegar sua compra.
-Nossa! Deu pra tudo isso?
Seu João não respondeu. O garoto então lhe ofereceu um novo e grande sorriso e foi embora com sua bem sucedida compra. Dona Matilda que observava a cena de longe sorriu e aproximou-se do marido.
-Boa ação do dia João?
-Do que você está falando mulher? – Reclamou.
-Do litro de leite. O pobre garoto não podia pagar. – Aproximou-se e num ato incomum plantou um beijo no rosto suado do seu marido – Eu sei que aí dentro tem um bom coração.
-Ora, ora, mas era só o que faltava! Deixe-me em paz e vá terminar o almoço. O bando de esfomeados já chega!
Saiu praguejando e dona Matilda ficou feliz por presenciar a bondade camuflada de seu marido. Ficou a pensar naquele menino e seu coração se apertou. Pensou naquela família e o que fariam com três ovos e um litro de leite.
No dia seguinte toda rotina se seguiu e novamente perto da hora do almoço o mesmo garoto voltou a aparecer, com poucas moedas, pediu a mesma coisa. Três ovos e o leite que desse. Seu João voltou a repetir o mesmo e mais uma vez o garoto partia com o sorriso no rosto.
Dia após dia o menino vinha, com suas poucas moedas comprava os ovos e leite. E seu João ficava cada vez mais intrigado. O menino andava descalço, era magro e suas roupas desgastadas. Mas mantinha o mesmo sorriso sempre. O olhar atento e curioso sobre tudo, fazia perguntas inteligentes e falava corretamente. Foi então que ele se lembrou do que dona Chica tinha contado, a tal família pobre que tinha se mudado. Provavelmente o pai trabalhava na fábrica como diarista, não tendo um salário fixo, devia receber pouco por hora. Seu João sentiu-se curioso para saber mais sobre aquele menino.
No dia seguinte era domingo. A mercearia abria mais tarde e fechava mais cedo. Seu João teria tempo para colocar seu plano em prática. Quando o menino chegou para sua compra, seu João notou que ele trazia mais moedas.
-Bom dia seu João!
-Bom dia moleque. Já vou pegar seus ovos e leite.
-Não seu João. – Interrompeu o menino – Hoje eu quero um pouco de feijão, um pouco de arroz e três pães.
João fitou-o surpreso. O menino continuava a sorrir, agora com um sorriso radiante e satisfeito. Estendeu a mão com duas notas e algumas moedas. Seu João pegou o dinheiro e notou que dava para tudo e ainda sobrava algumas moedas de troco.
-Meu pai recebeu o dinheiro da semana. – Explicou o menino sorrindo – E minha mãe disse que domingo é dia santo, temos de comer alguma coisa diferente.
-Qual o seu nome garoto? – Perguntou colocando a compra em cima do balcão.
-Me chamo Expedito. Mas minha mãe me chama de Ditinho.
-Aqui está sua compra e seu troco.
Ditinho pareceu surpreso por sobrar algumas moedas. Pegou tudo e foi em direção à porta.
-Garoto! – Chamou seu João.
Ele se virou.
-Sim?
-Tome. – Disse estendendo um pirulito – Hoje é domingo.
Os olhos do menino brilharam radiantes. Ele pegou o pirulito e seu João pensou que talvez ele nunca tivesse provado um.
-Obrigado seu João. Deus o abençoe.
Apenas balançou a cabeça, estava emocionado. Tudo naquele garoto transpirava felicidade e gratidão. Quando ele saiu, João decidiu que fecharia a mercearia e foi almoçar com sua esposa.
-Aquele menino, Ditinho.
Iniciou a conversa enquanto descansava em sua poltrona, após o almoço. Dona Matilda costurava no sofá, parou para olhá-lo.
-Então esse é o nome dele? – Perguntou.
-Não, chama-se Expedito. Ditinho é o apelido.
Matilda estava extasiada. João não era um homem dado a conversas. Sempre que ela tentava iniciar um diálogo era cortada com grunhidos e murmurações. Agora seu marido falava espontaneamente. Sorriu por dentro, talvez aquele garoto fosse uma espécie de anjo.
-Ah sim. Ele comprou ovos e leite de novo?
-Não. – Respondeu João – Hoje veio com dinheiro para feijão, arroz e pão. Até sobrou troco.
-Que maravilha! Acho que o pai deve ter recebido pela semana.
-Foi o que ele disse. – Parou pensativo – Eu fiquei pensando na família desse menino. Você acha que tem alguma forma de ajudar?
Dona Matilda olhava-o incrédula. Tentando compreender se aquele era mesmo o seu marido. Sabia que era um homem bom, mas fazia muitos anos que este homem havia sumido, dado lugar a um ogro grosseiro e fechado. Ela sabia bem a razão da mudança drástica, mas se magoava do mesmo jeito pela grosseria do marido. Ela havia passado pelas mesmas tragédias e não transferia para o mundo seu desgosto. Aproveitando o momento, dona Matilda continuou a conversa.
-Não sei querido. Nós não os conhecemos.
-Darei um jeito nisso.
Levantou-se, foi até o quarto e depois de algum tempo voltou vestido para sair.
-Aonde vai João?
-Volto logo.
E saiu sem dizer mais nada. Por experiência dona Matilda sabia que quando o marido voltasse não devia pressionar, se ele quisesse falar algo, diria, caso contrário seria vã a tentativa de tirar alguma informação dele. Mas estava curiosa por demais.
O domingo estava pela metade quando João andava pelas ruas pouco movimentadas. O bairro era tranquilo e as crianças podiam brincar na rua sem problema. Com passos rápidos e sem prestar atenção ao redor, seguiu até a antiga padaria. Ao lado ficava o casebre que dona Chica havia mencionado. Será que era a mesma família?
Ouviu uma conversa animada que vinha de dentro e reconheceu a voz de Ditinho. O cheiro era delicioso, um feijão bem feito. Pôs-se diante da porta e bateu firme. Após breve espera um homem branco com olhos fundos e expressão cansada abriu a porta.
-Boa tarde. - Falou o homem.
-Boa tarde. – Respondeu João, ficando sem jeito – Aqui é a casa do Expedito?
-Sou eu.
-Ah claro, o senhor deve ser o pai de Ditinho.
-Sim, sim. O senhor conhece meu filho?
-Sou João. – Disse estendendo a mão apertada rapidamente – Dono da mercearia.
-Claro, claro. Ditinho fala muito bem do senhor. Queira entrar seu João.
Alguém falar bem dele era novidade. João tinha razão ao pensar que o garoto era especial. Enxergar algo de bom nele era raro. Entrou e percebeu como a casa era simples, mas bem organizada e limpa. Ditinho que estava jogado o sofá se surpreendeu ao vê-lo.
-Seu João!
Correu e deu-lhe um abraço inesperado. Bastante sem jeito o dono da mercearia não sabia como agir com um ato tão espontâneo.
-Por favor, Ditinho, deixe seu João se sentar. – Apontou para o sofá – Sente-se seu João. Madalena, minha esposa, está na cozinha terminando o almoço. Está servido?
-Não obrigado, já almocei.
Ditinho sentou-se no chão perto do pai e olhava fascinado para sua visita. João que tinha ido até lá tão certo do que fazer, parecia perdido. Mas como não podia voltar atrás, resolveu puxar conversa.
-Vocês são novos aqui no bairro?
-Sim senhor. Mudamo-nos faz algumas semanas apenas. Eu estou fazendo uns trabalhos na fábrica.
-Sim, sim. Alguns operários fazem as refeições na mercearia. Mas nunca vi o senhor por lá.
O homem abaixou a cabeça, constrangido e João pensou ter cometido algum deslize, possivelmente ele não tinha dinheiro para as refeições.
-Venho almoçar em casa. – Disse por fim Expedito.
-Claro, claro. – Pigarreou – São só vocês três?
-Sim.
Foi quando uma mulher bonita e de corpo sinuoso entrou. Pele negra e olhos claros, que combinavam com um cabelo cuidadosamente preso num coque e um belo sorriso, que João reconheceu como sendo o mesmo que Ditinho exibia. O garoto parecia mais com a mãe, sentenciou em sua mente.
-Boa tarde. – Cumprimentou a moça secando as mãos no avental cheio de retalhos – Sou Madalena.
-João.
Trocaram apertos de mão.
-O senhor que Ditinho sempre fala. Obrigada por ser tão atencioso com meu filho.
-Seu filho é um grande garoto. – Disse seu João.
Ditinho sorriu em seu cantinho e o pai acariciou sua cabeça.
-Vocês o criaram muito bem. – Completou.
-Obrigada seu João. – Agradeceu Madalena nitidamente emocionada – Quer almoçar conosco?
-Não, obrigado, mas já almocei.
-Claro.
-Não vou atrapalhar mais o almoço de vocês. Eu só queria saber se Ditinho pode ir trabalhar comigo. Isso é claro, se não for atrapalhar os estudos dele.
Os pais se entreolharam e Ditinho segurou a respiração, ansioso pela resposta.
-Ditinho não está na escola seu João.
Falou o pai parecendo constrangido.
-A escola do bairro está sem vagas e não temos como mandá-lo para mais longe. Ônibus custam algum dinheiro e...
-Não precisam explicar. – Interrompeu João, deixando Expedito aliviado por ser entendido rapidamente. – Acho que posso ajudar vocês, dando um emprego para o menino.
-E como seria isso?
Perguntou Madalena enquanto ia para perto do marido.
-O garoto pode me ajudar com o estoque e pequenas entregas aqui pelo bairro. Faz algum tempo que quero entregar as compras em domicílio, mas não podia fazer isso sozinho.
Os dois assentiram silenciosamente. Ditinho parecia empolgado com a oportunidade.
-O menino é esperto. – Continuou João – Aprende rápido.
-E quantas horas ele tem de trabalhar? – Perguntou o pai.
-Pode começar 9:00, parar meio dia para o almoço retornar 13:00 e ficar até as 16:00. E claro que não trabalha nos finais de semana. O que acham?
Os dois olharam para o filho que assentia freneticamente com a cabeça. Sorriram.
-Acho que podemos tentar. – Disse o pai por fim.
-Vocês não perguntaram pelo dinheiro. – Disse João.
-Quero que meu filho aprenda seu João. O resto virá como lucro.
Surpreso com a sabedoria do homem, João assentiu.
-Entendo. Mas o garoto receberá um conto por dia de trabalho. Entrego a ele mesmo, ou a vocês no final da semana?
-Pode entregar a ele. – Afirmou o pai – Garanto que saberá o que fazer.
Apertaram as mãos de acordo, firmando que o menino começaria no dia seguinte. João foi embora com a sensação de dever cumprido, mas ainda pensando em como ajudar o menino com a questão da escola. Quando chegou em casa contou tudo para sua esposa que ficou radiante e estupefata com a mudança em seu marido. Mas não comentou nada, apenas o incentivou a continuar.
No dia seguinte Ditinho chegou bem mais cedo do que o combinado. Seu João o orientou sobre as primeiras tarefas e logo o garoto de 12 anos estava agitado de um lado para o outro fazendo o que lhe era pedido. Meio dia foi almoçar e antes de 13:00 já estava de volta. Fez duas entregas no período da tarde e logo estava na hora de ir embora.
-Aqui está Ditinho. – Disse João estendendo um conto. – Seu pagamento.
-Não seu João. Prefiro pegar no final da semana tudo junto.
Ficou surpreso com o menino. João achava que ele pegaria e gastaria tudo em doce. Mais uma vez ficava sem ação. Guardou o dinheiro. A semana passou rápido e Ditinho tinha aprendido tudo muito rápido. Fazia as entregas com agilidade e os clientes eram elogiosos. Na sexta-feira no final da tarde o movimento havia cessado. João chamou o garoto para fazer seu pagamento.
-Aqui está Ditinho, cinco contos pela semana.
O menino sorriu e segurou seu primeiro pagamento.
-Toma seu João, eu quero comprar comida.
Surpreso e tomado pela emoção, o velho comerciante sentou-se no banco fitando o garoto que saiu pelo estabelecimento pegando as mercadorias que já conhecia o preço. Colocou tudo no balcão, embalou tudo e falou.
-Está tudo certo?
João estupefato com a agilidade e inteligência do garoto, apenas assentiu.
-Obrigado seu João.
-Não precisa agradecer Ditinho. Bom final de semana. Até segunda.
O garoto se despediu e carregando vários pacotes rumou para casa. João ficou novamente sem ação. Contou tudo para Matilda e pediu que a esposa tentasse resolver o problema da escola.
Mais uma semana se seguiu e na sexta-feira seguinte Ditinho fez o mesmo. Usou todo seu pagamento para comprar suprimentos para casa. Antes que o garoto fosse embora João pediu que ele sentasse.
-Deixe eu lhe fazer uma pergunta Ditinho. O que vocês faziam com os três ovos e o leite?
-Os ovos eram nosso almoço seu João.
-E o leite?
-Nosso jantar.
João sentiu sua garganta se apertar.
-E como você consegue estar sempre de bom humor? – Quis saber.
O menino sorriu.
-Ora seu João, minha mãe me disse que ficar mal humorado é uma escolha. Eu prefiro dar risada todo dia.
-Mas sua vida é difícil. – Argumentou João – Se você não sorrisse, qualquer um ia entender.
-O senhor acha que só porque somos pobres eu tenho o direito de ser triste?
O raciocínio rápido e consistente do garoto lhe impediu de falar. Apenas assentiu.
-Pode até ser. Mas acho que ficaria ainda pior não é?
-Acho que sim. – Concordou João pensativo.
-O senhor é um homem muito bom seu João, mas parece muito triste também.
João apenas balançou a cabeça afirmando.
-Por quê? – Quis saber o garoto sentando ao lado do comerciante.
-Há 20 anos perdi meu filho. – João se ouviu dizer – Ele morreu de sarampo. Tinha sua idade.
Quando deu por si já chorava. Aquele garotinho usou suas pequenas mãos para tocar seu ombro e ampará-lo, enquanto ele colocava para fora sua dor contida. Quando parou, Ditinho o olhava gentilmente.
-Obrigado Ditinho. Acho que nunca chorei por ele.
-Então é por isso que a tristeza ficou presa. – Concluiu o menino.
-Pode ser.
-Minha mãe sempre diz que se ficamos tristes, é melhor colocar pra fora, senão a gente fica doente.
-Sua mãe é uma mulher sábia.
-Eu sei.
Os dois sorriram e antes que Ditinho saísse, João pegou três bolinhos e embrulhou para ele.
-Diga aos seus pais que é um presente meu e de Matilda, para o fim de semana de vocês.
-Obrigado seu João.
Aquela família era muito abençoada, pensou João. Podiam não ter dinheiro, mas sabiam viver até muito melhor que ele.
Depois do jantar ele e Matilda conversaram sobre Ditinho e sua família. O volume de pedidos havia aumentado para mercearia, clientes não apenas do bairro queriam fazer pedido. Então traçaram um plano sobre como ajudar mais aquela família.
Na segunda-feira seguinte, quando Ditinho chegou seu João deu-lhe pequenas tarefas e antes que ele saísse para almoçar perguntou se podia ir com ele até sua casa. Ditinho concordou, mas ficou ressabiado, achando que talvez tivesse feito algo errado.
Quando chegaram à casa da família, Expedito já havia chegado para almoçar e Madalena arrumava a mesa.
-Com licença, boa tarde. – Falou João entrando atrás de Ditinho.
-Boa tarde seu João. – Falou Expedito cumprimentando-o com um aperto de mão.
-Oi seu João! Que bom vê-lo! – Disse Madalena sorrindo – Espero que Ditinho não tenha aprontado nada.
-Não dona Madalena. Seu filho é um funcionário exemplar.
Ditinho respirou aliviado e sentou à mesa.
-Eu queria falar com vocês sobre outra coisa. Na verdade, fazer uma proposta.
-Uma proposta? – Perguntou Expedito.
-Sim.
João explicou o aumento das vendas com as entregas em domicílio e como recebiam pedidos de lugares mais distantes, mas que por Ditinho ser novo, não podia entregar. Além do fato de que agora iam começar a fazer marmitas de almoço para entregar nas casas. O volume de trabalho ia dobrar.
-Então. – Continuou ele – Quero contratar o senhor seu Expedito, para ser meu ajudante.
-E eu? – Perguntou Ditinho nitidamente frustrado.
-Espere garoto, chegaremos lá. – Disse João – O que acha seu Expedito?
O homem parecia surpreso.
-O senhor está me oferecendo um emprego?
-Sim. Com salário fixo e horário flexível. Você faria as entregas e me ajudaria com o estoque. Além das marmitas na hora do almoço. Isso quer dizer que só poderia te dar o horário de almoço depois das 14:00.
-Puxa! Nem acredito! Eu não tenho salário fixo faz tanto tempo seu João.
O homem estava emocionado. A mulher sorria e chorava ao mesmo tempo e Ditinho permanecia com a tristeza no rosto, ele gostava do trabalho.
-Isso quer dizer que o senhor aceita?
-Sim! Claro! Hoje mesmo vou falar com o encarregado da fábrica que arrumei um emprego. O senhor sabe que lá eu ganho pouco e é por dia de trabalho pesado.
-Sei sim.
-Obrigado seu João!
-Ainda não terminei. – Continuou João – Dona Madalena, a senhora me parece que cozinha bem. Dado esse cheiro maravilhoso.
-Ela cozinha muito bem! – Afirmou Ditinho empolgado.
-Ah seu João, eu me viro. – Disse modesta.
-Gostaria de ser nossa ajudante de cozinha? Matilda tem trabalhado demais, disse que quer uma mãozinha, já que vamos ter as marmitas e o almoço diário dos operários.
-Puxa! Será que eu consigo?
-Claro que sim mãe! – Exclamou o menino incentivando-a.
-Então eu aceito.
Todos comemoravam as notícias e mudanças na família. Quando Ditinho se afastou e foi para o sofá. João percebeu e com um sorriso no rosto chamou o garoto.
-Ei mocinho! Venha cá.
O garoto veio cabisbaixo.
-Sim senhor?
-Pensa que eu me esqueci de você?
Ele assentiu.
-Mas não. – Sorriu – Matilda é amiga da diretora da escola do bairro. Ela conseguiu uma vaga para você. Quer estudar?
Os olhos do menino ficaram esbugalhados e cintilando de intensa felicidade.
-Estudar?
-Sim.
-De novo?
-Sim.
-Claro!!!! – Pulou nos braços de seu João – O senhor é um anjo! Obrigado!
João ficou emocionado. Todos ali estavam assim. A vida da família mudaria e os poucos, mas significativos gestos de seu João fariam toda diferença no futuro daquele menino.
[ColaborAutoras] Conto "Um sorriso" - Fê Friederick Jhones
Olá, vamos nos emocionar e refletir com mais um conto lindo da nossa ColaborAutora Fê Jhones?
Leia e se encante!!!
Let´s go...
Um Sorriso
Como fazia todos os dias, seu João se levantou quando o sol ainda se espreguiçava devagar. Antes até de sua galinha começar a cacarejar. Deixava dona Matilda dormindo e ia até o banheiro fazer sua higiene pessoal.
Tomou seu café forte e comeu seus ovos mexidos. Sua rotina era tão previsível que ligava dentro de si um piloto automático operando uma sequência ininterrupta de pequenas ações. Tudo igual, todos os dias. Seguia para sua mercearia pontualmente às 5:30 da matina e rapidamente tudo estava funcionando. Os trabalhadores da fábrica de tecidos, que ficava no final da rua, logo chegavam para tomar seu habitual café da manhã.
Seu João era conhecido pelo seu mau humor constante. Todos os dias, ele dormia e acordava brigado com o mundo. Sua esposa já havia se acostumado e seus clientes rotineiros também. Então quando chegavam, eram sucintos em seus pedidos e mantinham total silêncio enquanto comiam. Seu João não gostava de conversarias em seu estabelecimento. Quando algum desavisado começava a falar animadamente logo recebia uma série de impropérios, que não se pode reproduzir sem ofender a quem ouve.
Lá pelas 9:00 dona Chica, a fofoqueira do bairro resolveu fazer suas compras. Ela tinha o prazer de chatear seu João e fazia questão de tentar inteirá-lo dos últimos acontecimentos do bairro.
-Bom dia seu João!
-Bom dia. – Murmurou entre dentes – Diga logo o que quer, velha mexeriqueira.
-Ora, ora seu João. – Falou dona Chica mostrando-se ofendida – Será que nem com um sol bonito como este o senhor acorda de bom humor?
-Não me importa o sol. – Resmungou – Diga logo o que quer.
Dona Chica lhe entregou a lista e pôs-se a andar pela venda vagarosamente.
-Parece que temos novos vizinhos.
Seu João continuou calado pegando os produtos e colocando sobre o balcão. Mas dona Chica não se fez de rogada e começou a narrar os acontecimentos.
-Uma família pequena. Pai, mãe e filho. Parecem não ter muito dinheiro. A mãe é vista sempre com as mesmas saias e blusas puídas, brancas ou azuis. O pai sai sempre cedo e volta no início da noite. Já o garoto anda descalço por aí. – Mostrando sua reprovação com expressões dignas de uma atriz – Mudaram-se faz dois dias para aquele casebre perto da antiga padaria. Creio que o senhor se lembre da última inquilina daquele lugar.
Fazendo sinal da cruz em repúdio, se aproximou do balcão falando baixo.
-Dizem que ela se mudou porque estava grávida de um homem casado! Deus é mais! Agora veja só, seu João, nosso bairro tão pacato, tendo de abrigar uma messalina!
-Pronto, dona Chica. Aqui estão suas compras. – Falou seu João como se não tivesse ouvido nada.
-E essa família nova? Eles são... – Pigarreou – Digamos que são um pouco diferentes do habitual. Além de pobres, ele é branco e ela, bem, o senhor sabe.
-Não sei de nada sua bisbilhoteira, carola dos infernos!
Esbravejou seu João. Dona Chica o olhou assustada.
-Agora pague e vá embora daqui! Não tenho tempo para perder com seus mexericos!
Dona Chica colocou o dinheiro sobre o balcão e saiu batendo os pés, praguejando que nunca voltaria naquele lugar novamente. Aquela cena sempre se repetia e ela sempre retornava. Seu João tinha a vantagem de ser a única mercearia da região, com produtos de todos os tipos e com um preço acessível. Todos aguentavam seu mau humor e péssimos modos. A maioria até achava graça dos seus murmúrios.
Perto da hora do almoço, seu João olhou por cima dos óculos gastos e viu um menino magrinho, cabelos cacheados e olhos sorridentes entrar serelepe e ir até o balcão.
-Bom dia! – Disse o garoto olhando tudo ao redor. – O senhor vende ovos?
-Sim garoto. Vendo tudo aqui. – Disse impaciente.
-Quanto custa?
-0,20 cada ovo.
O menino olhou para as moedas que segurava e engoliu seco. Fitando seu João com a voz baixa perguntou.
-E o leite?
-Dois contos o litro.
Remexendo nos bolsos como se procurasse mais moedas, que sabia não ter, pareceu confuso por alguns segundos. Seu João começou a ficar impaciente.
-Ande garoto! Diga logo o que vai querer, ou então dê o fora daqui!
Parecendo não se abalar com as palavras duras do velho, o menino lançou-lhe um sorriso gentil e ofereceu as moedas.
-Eu quero três ovos e o que der de leite com o resto.
Estava decidido e feliz com sua pequena escolha. Seu João pegou as moedas e notou que o pouco dinheiro só pagava os ovos e talvez meio copo de leite. Pensou em falar, mas o menino parecia tão feliz em “resolver” o problema, que preferiu se calar. Colocou os ovos envolvidos num jornal e trouxe um litro de leite. Os olhos do garoto brilharam ao pegar sua compra.
-Nossa! Deu pra tudo isso?
Seu João não respondeu. O garoto então lhe ofereceu um novo e grande sorriso e foi embora com sua bem sucedida compra. Dona Matilda que observava a cena de longe sorriu e aproximou-se do marido.
-Boa ação do dia João?
-Do que você está falando mulher? – Reclamou.
-Do litro de leite. O pobre garoto não podia pagar. – Aproximou-se e num ato incomum plantou um beijo no rosto suado do seu marido – Eu sei que aí dentro tem um bom coração.
-Ora, ora, mas era só o que faltava! Deixe-me em paz e vá terminar o almoço. O bando de esfomeados já chega!
Saiu praguejando e dona Matilda ficou feliz por presenciar a bondade camuflada de seu marido. Ficou a pensar naquele menino e seu coração se apertou. Pensou naquela família e o que fariam com três ovos e um litro de leite.
No dia seguinte toda rotina se seguiu e novamente perto da hora do almoço o mesmo garoto voltou a aparecer, com poucas moedas, pediu a mesma coisa. Três ovos e o leite que desse. Seu João voltou a repetir o mesmo e mais uma vez o garoto partia com o sorriso no rosto.
Dia após dia o menino vinha, com suas poucas moedas comprava os ovos e leite. E seu João ficava cada vez mais intrigado. O menino andava descalço, era magro e suas roupas desgastadas. Mas mantinha o mesmo sorriso sempre. O olhar atento e curioso sobre tudo, fazia perguntas inteligentes e falava corretamente. Foi então que ele se lembrou do que dona Chica tinha contado, a tal família pobre que tinha se mudado. Provavelmente o pai trabalhava na fábrica como diarista, não tendo um salário fixo, devia receber pouco por hora. Seu João sentiu-se curioso para saber mais sobre aquele menino.
No dia seguinte era domingo. A mercearia abria mais tarde e fechava mais cedo. Seu João teria tempo para colocar seu plano em prática. Quando o menino chegou para sua compra, seu João notou que ele trazia mais moedas.
-Bom dia seu João!
-Bom dia moleque. Já vou pegar seus ovos e leite.
-Não seu João. – Interrompeu o menino – Hoje eu quero um pouco de feijão, um pouco de arroz e três pães.
João fitou-o surpreso. O menino continuava a sorrir, agora com um sorriso radiante e satisfeito. Estendeu a mão com duas notas e algumas moedas. Seu João pegou o dinheiro e notou que dava para tudo e ainda sobrava algumas moedas de troco.
-Meu pai recebeu o dinheiro da semana. – Explicou o menino sorrindo – E minha mãe disse que domingo é dia santo, temos de comer alguma coisa diferente.
Enquanto pegava as coisas, seu João notou que sorria. Fazia tempo que não se sentia daquele modo e não entendeu bem o porquê, mas era bom. Aquele menino era especial e fazia tudo parecer mais simples, talvez fosse isso.
-Qual o seu nome garoto? – Perguntou colocando a compra em cima do balcão.
-Me chamo Expedito. Mas minha mãe me chama de Ditinho.
-Aqui está sua compra e seu troco.
Ditinho pareceu surpreso por sobrar algumas moedas. Pegou tudo e foi em direção à porta.
-Garoto! – Chamou seu João.
Ele se virou.
-Sim?
-Tome. – Disse estendendo um pirulito – Hoje é domingo.
Os olhos do menino brilharam radiantes. Ele pegou o pirulito e seu João pensou que talvez ele nunca tivesse provado um.
-Obrigado seu João. Deus o abençoe.
Apenas balançou a cabeça, estava emocionado. Tudo naquele garoto transpirava felicidade e gratidão. Quando ele saiu, João decidiu que fecharia a mercearia e foi almoçar com sua esposa.
-Aquele menino, Ditinho.
Iniciou a conversa enquanto descansava em sua poltrona, após o almoço. Dona Matilda costurava no sofá, parou para olhá-lo.
-Então esse é o nome dele? – Perguntou.
-Não, chama-se Expedito. Ditinho é o apelido.
Matilda estava extasiada. João não era um homem dado a conversas. Sempre que ela tentava iniciar um diálogo era cortada com grunhidos e murmurações. Agora seu marido falava espontaneamente. Sorriu por dentro, talvez aquele garoto fosse uma espécie de anjo.
-Ah sim. Ele comprou ovos e leite de novo?
-Não. – Respondeu João – Hoje veio com dinheiro para feijão, arroz e pão. Até sobrou troco.
-Que maravilha! Acho que o pai deve ter recebido pela semana.
-Foi o que ele disse. – Parou pensativo – Eu fiquei pensando na família desse menino. Você acha que tem alguma forma de ajudar?
Dona Matilda olhava-o incrédula. Tentando compreender se aquele era mesmo o seu marido. Sabia que era um homem bom, mas fazia muitos anos que este homem havia sumido, dado lugar a um ogro grosseiro e fechado. Ela sabia bem a razão da mudança drástica, mas se magoava do mesmo jeito pela grosseria do marido. Ela havia passado pelas mesmas tragédias e não transferia para o mundo seu desgosto. Aproveitando o momento, dona Matilda continuou a conversa.
-Não sei querido. Nós não os conhecemos.
-Darei um jeito nisso.
Levantou-se, foi até o quarto e depois de algum tempo voltou vestido para sair.
-Aonde vai João?
-Volto logo.
E saiu sem dizer mais nada. Por experiência dona Matilda sabia que quando o marido voltasse não devia pressionar, se ele quisesse falar algo, diria, caso contrário seria vã a tentativa de tirar alguma informação dele. Mas estava curiosa por demais.
O domingo estava pela metade quando João andava pelas ruas pouco movimentadas. O bairro era tranquilo e as crianças podiam brincar na rua sem problema. Com passos rápidos e sem prestar atenção ao redor, seguiu até a antiga padaria. Ao lado ficava o casebre que dona Chica havia mencionado. Será que era a mesma família?
Ouviu uma conversa animada que vinha de dentro e reconheceu a voz de Ditinho. O cheiro era delicioso, um feijão bem feito. Pôs-se diante da porta e bateu firme. Após breve espera um homem branco com olhos fundos e expressão cansada abriu a porta.
-Boa tarde. - Falou o homem.
-Boa tarde. – Respondeu João, ficando sem jeito – Aqui é a casa do Expedito?
-Sou eu.
-Ah claro, o senhor deve ser o pai de Ditinho.
-Sim, sim. O senhor conhece meu filho?
-Sou João. – Disse estendendo a mão apertada rapidamente – Dono da mercearia.
-Claro, claro. Ditinho fala muito bem do senhor. Queira entrar seu João.
Alguém falar bem dele era novidade. João tinha razão ao pensar que o garoto era especial. Enxergar algo de bom nele era raro. Entrou e percebeu como a casa era simples, mas bem organizada e limpa. Ditinho que estava jogado o sofá se surpreendeu ao vê-lo.
-Seu João!
Correu e deu-lhe um abraço inesperado. Bastante sem jeito o dono da mercearia não sabia como agir com um ato tão espontâneo.
-Por favor, Ditinho, deixe seu João se sentar. – Apontou para o sofá – Sente-se seu João. Madalena, minha esposa, está na cozinha terminando o almoço. Está servido?
-Não obrigado, já almocei.
Ditinho sentou-se no chão perto do pai e olhava fascinado para sua visita. João que tinha ido até lá tão certo do que fazer, parecia perdido. Mas como não podia voltar atrás, resolveu puxar conversa.
-Vocês são novos aqui no bairro?
-Sim senhor. Mudamo-nos faz algumas semanas apenas. Eu estou fazendo uns trabalhos na fábrica.
-Sim, sim. Alguns operários fazem as refeições na mercearia. Mas nunca vi o senhor por lá.
O homem abaixou a cabeça, constrangido e João pensou ter cometido algum deslize, possivelmente ele não tinha dinheiro para as refeições.
-Venho almoçar em casa. – Disse por fim Expedito.
-Claro, claro. – Pigarreou – São só vocês três?
-Sim.
Foi quando uma mulher bonita e de corpo sinuoso entrou. Pele negra e olhos claros, que combinavam com um cabelo cuidadosamente preso num coque e um belo sorriso, que João reconheceu como sendo o mesmo que Ditinho exibia. O garoto parecia mais com a mãe, sentenciou em sua mente.
-Boa tarde. – Cumprimentou a moça secando as mãos no avental cheio de retalhos – Sou Madalena.
-João.
Trocaram apertos de mão.
-O senhor que Ditinho sempre fala. Obrigada por ser tão atencioso com meu filho.
-Seu filho é um grande garoto. – Disse seu João.
Ditinho sorriu em seu cantinho e o pai acariciou sua cabeça.
-Vocês o criaram muito bem. – Completou.
-Obrigada seu João. – Agradeceu Madalena nitidamente emocionada – Quer almoçar conosco?
-Não, obrigado, mas já almocei.
-Claro.
-Não vou atrapalhar mais o almoço de vocês. Eu só queria saber se Ditinho pode ir trabalhar comigo. Isso é claro, se não for atrapalhar os estudos dele.
Os pais se entreolharam e Ditinho segurou a respiração, ansioso pela resposta.
-Ditinho não está na escola seu João.
Falou o pai parecendo constrangido.
-A escola do bairro está sem vagas e não temos como mandá-lo para mais longe. Ônibus custam algum dinheiro e...
-Não precisam explicar. – Interrompeu João, deixando Expedito aliviado por ser entendido rapidamente. – Acho que posso ajudar vocês, dando um emprego para o menino.
-E como seria isso?
Perguntou Madalena enquanto ia para perto do marido.
-O garoto pode me ajudar com o estoque e pequenas entregas aqui pelo bairro. Faz algum tempo que quero entregar as compras em domicílio, mas não podia fazer isso sozinho.
Os dois assentiram silenciosamente. Ditinho parecia empolgado com a oportunidade.
-O menino é esperto. – Continuou João – Aprende rápido.
-E quantas horas ele tem de trabalhar? – Perguntou o pai.
-Pode começar 9:00, parar meio dia para o almoço retornar 13:00 e ficar até as 16:00. E claro que não trabalha nos finais de semana. O que acham?
Os dois olharam para o filho que assentia freneticamente com a cabeça. Sorriram.
-Acho que podemos tentar. – Disse o pai por fim.
-Vocês não perguntaram pelo dinheiro. – Disse João.
-Quero que meu filho aprenda seu João. O resto virá como lucro.
Surpreso com a sabedoria do homem, João assentiu.
-Entendo. Mas o garoto receberá um conto por dia de trabalho. Entrego a ele mesmo, ou a vocês no final da semana?
-Pode entregar a ele. – Afirmou o pai – Garanto que saberá o que fazer.
Apertaram as mãos de acordo, firmando que o menino começaria no dia seguinte. João foi embora com a sensação de dever cumprido, mas ainda pensando em como ajudar o menino com a questão da escola. Quando chegou em casa contou tudo para sua esposa que ficou radiante e estupefata com a mudança em seu marido. Mas não comentou nada, apenas o incentivou a continuar.
No dia seguinte Ditinho chegou bem mais cedo do que o combinado. Seu João o orientou sobre as primeiras tarefas e logo o garoto de 12 anos estava agitado de um lado para o outro fazendo o que lhe era pedido. Meio dia foi almoçar e antes de 13:00 já estava de volta. Fez duas entregas no período da tarde e logo estava na hora de ir embora.
-Aqui está Ditinho. – Disse João estendendo um conto. – Seu pagamento.
-Não seu João. Prefiro pegar no final da semana tudo junto.
Ficou surpreso com o menino. João achava que ele pegaria e gastaria tudo em doce. Mais uma vez ficava sem ação. Guardou o dinheiro. A semana passou rápido e Ditinho tinha aprendido tudo muito rápido. Fazia as entregas com agilidade e os clientes eram elogiosos. Na sexta-feira no final da tarde o movimento havia cessado. João chamou o garoto para fazer seu pagamento.
-Aqui está Ditinho, cinco contos pela semana.
O menino sorriu e segurou seu primeiro pagamento.
-Toma seu João, eu quero comprar comida.
Surpreso e tomado pela emoção, o velho comerciante sentou-se no banco fitando o garoto que saiu pelo estabelecimento pegando as mercadorias que já conhecia o preço. Colocou tudo no balcão, embalou tudo e falou.
-Está tudo certo?
João estupefato com a agilidade e inteligência do garoto, apenas assentiu.
-Obrigado seu João.
-Não precisa agradecer Ditinho. Bom final de semana. Até segunda.
O garoto se despediu e carregando vários pacotes rumou para casa. João ficou novamente sem ação. Contou tudo para Matilda e pediu que a esposa tentasse resolver o problema da escola.
Mais uma semana se seguiu e na sexta-feira seguinte Ditinho fez o mesmo. Usou todo seu pagamento para comprar suprimentos para casa. Antes que o garoto fosse embora João pediu que ele sentasse.
-Deixe eu lhe fazer uma pergunta Ditinho. O que vocês faziam com os três ovos e o leite?
-Os ovos eram nosso almoço seu João.
-E o leite?
-Nosso jantar.
João sentiu sua garganta se apertar.
-E como você consegue estar sempre de bom humor? – Quis saber.
O menino sorriu.
-Ora seu João, minha mãe me disse que ficar mal humorado é uma escolha. Eu prefiro dar risada todo dia.
-Mas sua vida é difícil. – Argumentou João – Se você não sorrisse, qualquer um ia entender.
-O senhor acha que só porque somos pobres eu tenho o direito de ser triste?
O raciocínio rápido e consistente do garoto lhe impediu de falar. Apenas assentiu.
-Pode até ser. Mas acho que ficaria ainda pior não é?
-Acho que sim. – Concordou João pensativo.
-O senhor é um homem muito bom seu João, mas parece muito triste também.
João apenas balançou a cabeça afirmando.
-Por quê? – Quis saber o garoto sentando ao lado do comerciante.
-Há 20 anos perdi meu filho. – João se ouviu dizer – Ele morreu de sarampo. Tinha sua idade.
Quando deu por si já chorava. Aquele garotinho usou suas pequenas mãos para tocar seu ombro e ampará-lo, enquanto ele colocava para fora sua dor contida. Quando parou, Ditinho o olhava gentilmente.
-Obrigado Ditinho. Acho que nunca chorei por ele.
-Então é por isso que a tristeza ficou presa. – Concluiu o menino.
-Pode ser.
-Minha mãe sempre diz que se ficamos tristes, é melhor colocar pra fora, senão a gente fica doente.
-Sua mãe é uma mulher sábia.
-Eu sei.
Os dois sorriram e antes que Ditinho saísse, João pegou três bolinhos e embrulhou para ele.
-Diga aos seus pais que é um presente meu e de Matilda, para o fim de semana de vocês.
-Obrigado seu João.
Aquela família era muito abençoada, pensou João. Podiam não ter dinheiro, mas sabiam viver até muito melhor que ele.
Depois do jantar ele e Matilda conversaram sobre Ditinho e sua família. O volume de pedidos havia aumentado para mercearia, clientes não apenas do bairro queriam fazer pedido. Então traçaram um plano sobre como ajudar mais aquela família.
Na segunda-feira seguinte, quando Ditinho chegou seu João deu-lhe pequenas tarefas e antes que ele saísse para almoçar perguntou se podia ir com ele até sua casa. Ditinho concordou, mas ficou ressabiado, achando que talvez tivesse feito algo errado.
Quando chegaram à casa da família, Expedito já havia chegado para almoçar e Madalena arrumava a mesa.
-Com licença, boa tarde. – Falou João entrando atrás de Ditinho.
-Boa tarde seu João. – Falou Expedito cumprimentando-o com um aperto de mão.
-Oi seu João! Que bom vê-lo! – Disse Madalena sorrindo – Espero que Ditinho não tenha aprontado nada.
-Não dona Madalena. Seu filho é um funcionário exemplar.
Ditinho respirou aliviado e sentou à mesa.
-Eu queria falar com vocês sobre outra coisa. Na verdade, fazer uma proposta.
-Uma proposta? – Perguntou Expedito.
-Sim.
João explicou o aumento das vendas com as entregas em domicílio e como recebiam pedidos de lugares mais distantes, mas que por Ditinho ser novo, não podia entregar. Além do fato de que agora iam começar a fazer marmitas de almoço para entregar nas casas. O volume de trabalho ia dobrar.
-Então. – Continuou ele – Quero contratar o senhor seu Expedito, para ser meu ajudante.
-E eu? – Perguntou Ditinho nitidamente frustrado.
-Espere garoto, chegaremos lá. – Disse João – O que acha seu Expedito?
O homem parecia surpreso.
-O senhor está me oferecendo um emprego?
-Sim. Com salário fixo e horário flexível. Você faria as entregas e me ajudaria com o estoque. Além das marmitas na hora do almoço. Isso quer dizer que só poderia te dar o horário de almoço depois das 14:00.
-Puxa! Nem acredito! Eu não tenho salário fixo faz tanto tempo seu João.
O homem estava emocionado. A mulher sorria e chorava ao mesmo tempo e Ditinho permanecia com a tristeza no rosto, ele gostava do trabalho.
-Isso quer dizer que o senhor aceita?
-Sim! Claro! Hoje mesmo vou falar com o encarregado da fábrica que arrumei um emprego. O senhor sabe que lá eu ganho pouco e é por dia de trabalho pesado.
-Sei sim.
-Obrigado seu João!
-Ainda não terminei. – Continuou João – Dona Madalena, a senhora me parece que cozinha bem. Dado esse cheiro maravilhoso.
-Ela cozinha muito bem! – Afirmou Ditinho empolgado.
-Ah seu João, eu me viro. – Disse modesta.
-Gostaria de ser nossa ajudante de cozinha? Matilda tem trabalhado demais, disse que quer uma mãozinha, já que vamos ter as marmitas e o almoço diário dos operários.
-Puxa! Será que eu consigo?
-Claro que sim mãe! – Exclamou o menino incentivando-a.
-Então eu aceito.
Todos comemoravam as notícias e mudanças na família. Quando Ditinho se afastou e foi para o sofá. João percebeu e com um sorriso no rosto chamou o garoto.
-Ei mocinho! Venha cá.
O garoto veio cabisbaixo.
-Sim senhor?
-Pensa que eu me esqueci de você?
Ele assentiu.
-Mas não. – Sorriu – Matilda é amiga da diretora da escola do bairro. Ela conseguiu uma vaga para você. Quer estudar?
Os olhos do menino ficaram esbugalhados e cintilando de intensa felicidade.
-Estudar?
-Sim.
-De novo?
-Sim.
-Claro!!!! – Pulou nos braços de seu João – O senhor é um anjo! Obrigado!
João ficou emocionado. Todos ali estavam assim. A vida da família mudaria e os poucos, mas significativos gestos de seu João fariam toda diferença no futuro daquele menino.
E depois de muitos anos de amizade entre as duas famílias, Ditinho cresceu, estudou, se formou, constituiu sua própria família e sempre levou consigo a certeza de que um belo sorriso oferecido gratuitamente pode mudar o curso dos acontecimentos na vida.
ColaborAutora Fê Friederick Jhones
Eu sou uma apaixonada por histórias e pessoas, minha primeira escolha então foi a Psicologia, as palavras sempre fazendo meu mundo ter mais sentido, palavra cantada, escrita, falada, eu amo qualquer tipo de arte. Sou uma boba que chora com dramas de amor, amo finais felizes e clichês românticos, gosto de torcer por personagens que só existem na minha imaginação e passo horas em mundos variados, criando-os ou conhecendo-os pela voz de outros. Escrevo porque preciso e não saberia viver sem isso, artigos, reflexões, frases, contos, poesias, romances, todos os meus pedaços que dou ao mundo. Sou mãe de uma lady peluda que se chama Belle e tenho um marido lindo chamado Deivid Jhones, de quem roubei o sobrenome. Nasci na terra do acarajé, mas moro na cidade do bolo de rolo. Prazer, eu sou a Fê!
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Fê Jhones
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Ainnn gente, tem um olho nas minhas lágrimas!!! Fê como sempre me emociona e me faz refletir! Obrigada pelas palavras <3
ResponderExcluirParabéns pelo lindo conto <3
Aiii ti linda Dai, eu me emociono cada vez que leio textos e obras da Fê sou suspeita!! Que bom que gostou, fica ligadinha que em breve terá mais ;)
ExcluirBeijos